Bastante
curioso a classe artística demonstrar contrariedade às biografias não
autorizadas, sobretudo se considerarmos os mais exaltados, como dizem por ai,
os latifundiários da MPB.
Chico
Buarque, que sofreu a mordaça da ditadura, agora quer amordaçar escritores.
Caetano
Veloso, que outrora gritava que é proibido proibir, agora quer proibir as
biografias não autorizadas.
Gilberto
Gil, preso pelo Ato Institucional nº 05, hoje utiliza os mesmos expedientes outrora
utilizados pelos milicos para cercear liberdades alheias.
E
vários outros. João Gilberto, Djavan, Milton Nascimento, Roberto Carlos, Erasmo
Carlos e todos os que compõem o tal ‘Procure
Saber’.
Mas
a classe artística pouco importa nessa discussão.
Os
que de fato importam são os historiadores, que – acho – ainda não entraram pra
valer nessa discussão.
Afinal,
a história recente do Brasil e do mundo está contada em biografias não
autorizadas.
Einstein,
Leonardo da Vince, Madre Teresa de Caucutá, Adolf Hitler, Madonna, Tarsila do
Amaral, Tiradentes, Carlos Marighela e vários outros. Todos eles, ou melhor,
suas histórias, contadas em livros não autorizados, fazem parte de registros
cujo proprietário é a história da humanidade.
Eis
o ponto central: a vida pessoal de figuras públicas é, por definição, de
interesse público. Ou melhor, de interesse da própria história.
A biografia é uma obra de informação e, como tal,
deve ser admitida ainda que sem consentimento do biografado.
Impedir
o registro ou a publicação é censura pura, sem qualquer eufemismo. E como disse
Boris Fausto e Ruy Castro no manifesto divulgado na Bienal do Rio de Janeiro, a proibição às biografias não
autorizadas “é um monopólio da história,
típico de regimes totalitários".
Acredito
na liberdade total de publicação. E em caso de abuso, tal como invencionice,
distorção da verdade, criação de escândalo ou qualquer outro tipo de factoide,
o escritor que assuma o risco da retratação ou indenização respectiva.
Cercear
a história, não.
Não
bastasse, alguns biografados tratam sua história como um produto que lhes
pertence e exigem participação nas receitas que suas biografias possam render.
Dizem
que poucas biografias são rentáveis; que a maioria é inviável financeiramente,
pois, por um lado, consomem muitos recursos dos biógrafos em termos de tempo, pesquisa,
viagens, entrevistas, etc., e, de outra parte, não possuem comércio suficiente
para superar o investimento.
E
no caso de rentabilidade, penso, em princípio, que ao escritor caberá a
totalidade dos frutos, já que ele quem trabalhou na obra. Caso contrário,
estaríamos admitindo a extração de mais valia sem a existência de qualquer
relação formal de trabalho, como no caso dos transgênicos.
Acredito
que a questão não pode ser reduzida tão somente à privacidade do biografado ou
tampouco à remuneração do escritor. Diz respeito, sobretudo, ao registro da
história.
E
no meio dessa disputa mesquinha em torno de vaidades e interesses comerciais,
se eleva o exemplo do jornalista Mario Magalhães, escritor da biografia de Carlos Marighela[1],
controverso militante esquerdista brasileiro.
Magalhães
consumiu dez anos e muitos recursos próprios para escrever o livro, não pediu
autorização aos herdeiros do falecido e o publicou sem expectativa de retorno
financeiro.
A
família do biografado, num ato raro de grandeza, deixou a obra livre para
circular e trazer luz sobre importantes fatos da nossa História.
Enquanto
isso, a biografia de Roberto Carlos corre solta em forma digital na terra
inóspita da internet, atormentando o sono do rei e sem render um centavo ao seu
biógrafo.