Muito
se fala no julgamento do ‘mensalão’
pelo Supremo Tribunal Federal. Carlinhos Cachoeira (e sua linda senhora) atualmente
também são temas recorrentes nos noticiários. Cavendish e asseclas idem. E todos estão a depositar nos
órgãos do Poder Judiciário a responsabilidade de punir os transviados, ainda
que sob a forma de justiçamento, à revelia dos princípios mais comezinhos do
Direito, em uma justa expectativa cívica.
"Visceras expostas, o espetáculo midiático se encarrega de criar a sensação de que, 'desda vez', a justiça será feita, e que a democracia sairá fortalecida". - José Arbex Jr, jornalista.
"Visceras expostas, o espetáculo midiático se encarrega de criar a sensação de que, 'desda vez', a justiça será feita, e que a democracia sairá fortalecida". - José Arbex Jr, jornalista.
Mas
existe algo de muito curioso nesta história.
No
Brasil (e acho que em grande parte do mundo também), a corrupção sempre foi uma
questão relacionada a sérios desvios individuais de conduta, cuja reprimenda
sempre foi buscada no âmbito do Direito, especialmente do Direito Penal.
Um
discurso tão sedutor quanto neoliberal: punição na forma da lei. Uma solução
intrassistêmica e reduzida ao âmbito moralista individual – para preservar o
sistema e, especialmente sob a ótica neoliberal, transferir o controle à
iniciativa privada, já que a corrupção seria algo intrínseco ao serviço
público.
Assim,
o discurso dominante é no sentido de que a corrupção seria fruto do desvio
moral de condutas individuais, alimentado pela impunidade. O corrupto sempre
foi demonizado em sua individualidade moral (Cachoeira e Cavendish que o digam) e,
obviamente, sua punição seria a principal solução. Uma explicação fácil e
bastante ressonante no senso comum.
Aliás, o ideal, para preservar o sistema político e econômico, segundo o discurso individualizador, seria punir ou educar os desviados, como nos ensinam os filmes 'Laranja Mecânica' de Kubrick e 'O Estranho no Ninho', de Fromam.
Aliás, o ideal, para preservar o sistema político e econômico, segundo o discurso individualizador, seria punir ou educar os desviados, como nos ensinam os filmes 'Laranja Mecânica' de Kubrick e 'O Estranho no Ninho', de Fromam.
Mas
é uma solução que, sem sombra de dúvidas, não resolve de fato o problema da
corrupção, e sequer arranha os fundamentos do esquema corruptor, eis que mantém intocado o sistema político e econômico, verdadeiro responsável
pelos desvios morais de conduta.
A
corrupção é um fenômeno essencialmente político, e não moral, ao contrário do
que quer fazer crer o discurso (neoliberal) dominante, que não raras vezes
cobre, oculta ou cria a realidade.
Efetivamente,
a corrupção é um fenômeno que advém de estruturas de poder que se formam na
relação entre Estado e sociedade e, portanto, somente encontra solução em uma
crítica ao próprio sistema político/econômico – algo que a ideologia dominante obviamente
não faz.
Como bem disse o professor José Henrique Rodrigues Torres: ‘parece-me induvidoso que, nessa cruzada contra a corrupção, a punição e a educação partem da mesma ideia intrassistêmica preservacionista: o problema está no indivíduo, que deve ser punido ou reeducado, pois o sistema é bom e, por isso, deve ser preservado e controlado pela iniciativa privada, essencialmente ética e comprometida com a felicidade da nação e o bem-estar de todos os cidadãos[1]’.
Não
é punindo os corruptos que iremos diminuir ou acabar com a corrupção. Ainda
mais em um país onde a corrupção é endêmica e histórica, originária além de
tudo no regime patrimonial que deu nascimento a esta nação: troca de favores
materiais por favores políticos.
Neste
sentido, diz o sociólogo Souza Martins que ‘a
grande corrupção não seria possível se não fosse expressão de uma cultura da
corrupção miúda e cotidiana[2]’.
E ainda José Arbex Jr.: 'Cavendish, Cachoeira e assemelhados são apenas faces de uma velha, velhíssima prática historicamente consagrada no Brasil, mediante a qual o dinheiro privado compra favores dos encarregados de gerenciar a coisa pública. Ou, em outros termos, são agentes da privatização do Estado por meio da corrupção[3]'.
E ainda José Arbex Jr.: 'Cavendish, Cachoeira e assemelhados são apenas faces de uma velha, velhíssima prática historicamente consagrada no Brasil, mediante a qual o dinheiro privado compra favores dos encarregados de gerenciar a coisa pública. Ou, em outros termos, são agentes da privatização do Estado por meio da corrupção[3]'.
E
não deve ser a toa que muitos notoriamente envolvidos no caso do mensalão proclamam aos borbotões que
tiveram a inocência reconhecida pelo povo no ato da reeleição que conseguiram.
Bons
tempos para refletirmos sobre as verdadeiras razões da corrupção tupiniquim –
mas sem ilusão.
O texto acerta na mosca: é preciso ser radical. Corrupção é superestrutura, reflete a base material. O discuros puramente "ético" ou "moral" (que o PSOL, e isso é sintomático, gosta de repetir) é inócuo.
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