quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Sobre corrupção e neoliberalismo


Muito se fala no julgamento do ‘mensalão’ pelo Supremo Tribunal Federal. Carlinhos Cachoeira (e sua linda senhora) atualmente também são temas recorrentes nos noticiários. Cavendish e asseclas idem. E todos estão a depositar nos órgãos do Poder Judiciário a responsabilidade de punir os transviados, ainda que sob a forma de justiçamento, à revelia dos princípios mais comezinhos do Direito, em uma justa expectativa cívica.

"Visceras expostas, o espetáculo midiático se encarrega de criar a sensação de que, 'desda vez', a justiça será feita, e que a democracia sairá fortalecida". - José Arbex Jr, jornalista.

Mas existe algo de muito curioso nesta história.

No Brasil (e acho que em grande parte do mundo também), a corrupção sempre foi uma questão relacionada a sérios desvios individuais de conduta, cuja reprimenda sempre foi buscada no âmbito do Direito, especialmente do Direito Penal.

Um discurso tão sedutor quanto neoliberal: punição na forma da lei. Uma solução intrassistêmica e reduzida ao âmbito moralista individual – para preservar o sistema e, especialmente sob a ótica neoliberal, transferir o controle à iniciativa privada, já que a corrupção seria algo intrínseco ao serviço público.

Assim, o discurso dominante é no sentido de que a corrupção seria fruto do desvio moral de condutas individuais, alimentado pela impunidade. O corrupto sempre foi demonizado em sua individualidade moral (Cachoeira e Cavendish que o digam) e, obviamente, sua punição seria a principal solução. Uma explicação fácil e bastante ressonante no senso comum.

Aliás, o ideal, para preservar o sistema político e econômico, segundo o discurso individualizador, seria punir ou educar os desviados, como nos ensinam os filmes 'Laranja Mecânica' de Kubrick e 'O Estranho no Ninho', de Fromam.

Mas é uma solução que, sem sombra de dúvidas, não resolve de fato o problema da corrupção, e sequer arranha os fundamentos do esquema corruptor, eis que mantém intocado o sistema político e econômico, verdadeiro responsável pelos desvios morais de conduta.

A corrupção é um fenômeno essencialmente político, e não moral, ao contrário do que quer fazer crer o discurso (neoliberal) dominante, que não raras vezes cobre, oculta ou cria a realidade.

Efetivamente, a corrupção é um fenômeno que advém de estruturas de poder que se formam na relação entre Estado e sociedade e, portanto, somente encontra solução em uma crítica ao próprio sistema político/econômico – algo que a ideologia dominante obviamente não faz.

Como bem disse o professor José Henrique Rodrigues Torres: ‘parece-me induvidoso que, nessa cruzada contra a corrupção, a punição e a educação partem da mesma ideia intrassistêmica preservacionista: o problema está no indivíduo, que deve ser punido ou reeducado, pois o sistema é bom e, por isso, deve ser preservado e controlado pela iniciativa privada, essencialmente ética e comprometida com a felicidade da nação e o bem-estar de todos os cidadãos[1].

Não é punindo os corruptos que iremos diminuir ou acabar com a corrupção. Ainda mais em um país onde a corrupção é endêmica e histórica, originária além de tudo no regime patrimonial que deu nascimento a esta nação: troca de favores materiais por favores políticos.

Neste sentido, diz o sociólogo Souza Martins que ‘a grande corrupção não seria possível se não fosse expressão de uma cultura da corrupção miúda e cotidiana[2]’.

E ainda José Arbex Jr.: 'Cavendish, Cachoeira e assemelhados são apenas faces de uma velha, velhíssima prática historicamente consagrada no Brasil, mediante a qual o dinheiro privado compra favores dos encarregados de gerenciar a coisa pública. Ou, em outros termos, são agentes da privatização do Estado por meio da corrupção[3]'.

E não deve ser a toa que muitos notoriamente envolvidos no caso do mensalão proclamam aos borbotões que tiveram a inocência reconhecida pelo povo no ato da reeleição que conseguiram.

Bons tempos para refletirmos sobre as verdadeiras razões da corrupção tupiniquim – mas sem ilusão.


[1] Revista Caros Amigos, edição nº 175. 'Combater a corrupção é combater o capitalismo', fls. 20.
[2] Martins, José de Souza. P poder do atraso - ensaios de sociologia da história lenta. Hucitec, 1994.
[3] Revista Caros Amigos, edição 182. 500 anos de falcatruas', fls. 07.

Um comentário:

  1. O texto acerta na mosca: é preciso ser radical. Corrupção é superestrutura, reflete a base material. O discuros puramente "ético" ou "moral" (que o PSOL, e isso é sintomático, gosta de repetir) é inócuo.

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